Vidal Pedroso de Faria
Uma vez mais, o leite é destaque na mídia por conta da adição de produto químico a um alimento considerado importante e insubstituível na alimentação de crianças e idosos, pelo alto valor nutritivo.
Quando a fraude é caracterizada em uma determinada região, todo o leite comercializado no País se torna suspeito, como indicam indagações de donas de casa preocupadas com o bem-estar da família. Nem os produtores são poupados, apesar de o problema ter sido atribuído somente ao segmento de coleta e transporte do produto para os laticínios.
Com isso, mesmo sendo um fato isolado, toda a cadeia produtiva de certa forma é afetada, pois condenar o todo pela exceção parece fazer parte da natureza humana. Seria recomendável que se divulgasse aos consumidores dos grandes centros urbanos o que realmente é e como funciona atividade leiteira e que a maioria dos produtores e laticínios trabalha com seriedade, adotando princípios éticos para a produção de um alimento saudável.
A adulteração de alimentos por fraude é um crime praticado com objetivo econômico por indivíduos gananciosos, desprovidos de ética, e pode ser constatado em vários produtos para consumo humano.
O problema da fraude no leite é antigo, existindo relatos históricos de adulteração em Roma e Atenas, e também na época da Revolução Industrial, quando foi realmente iniciada a comercialização do leite em grande escala nas cidades europeias e dos Estados Unidos. Há cinquenta e poucos anos, levantamentos feitos na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República, indicavam que cerca de 20% do leite comercializado cru era inadequado por ser adulterado.
Com certa frequência, se encontra em nosso meio adulterações no mel, doces e bebidas alcoólicas, mas esses casos não têm grande repercussão porque não são alimentos considerados essenciais, como é o caso do leite. Além disso, fraudes podem atingir também os produtores de leite que podem ser prejudicados por adulterações em adubos, sais minerais, ingredientes para rações e remédios para os animais.
O relato de fraudes em medicamentos importantes para a humanidade, como antibióticos, configura um crime hediondo, responsável por morte de um grande número de pessoas na África, com produtos fabricados clandestinamente na Suíça por indivíduos inescrupulosos, que também atuam com menor intensidade em outras regiões do globo terrestre.
Em 2007, os meios de comunicação divulgaram com grande ênfase a colocação de água oxigenada e soda cáustica visando à conservação do leite por um período maior, causando comoção entre consumidores pela intensidade com que os meios de comunicação trataram do assunto.
A mídia não divulgou, mas outros conservantes, como antibióticos vencidos, foram utilizados em leite cru vendido nas ruas de pequenas cidades do interior, fraude detectada pela impossibilidade de azedar o leite para confecção de coalhada. O acontecido ficou restrito ao local porque os fraudadores eram pessoas importantes na comunidade.
A mais recente fraude do leite registrada no Rio Grande do Sul tinha como objetivo mascarar a adição de água ao leite pela colocação de ureia, produto comumente encontrado em pequenas quantidades no leite e de difícil detecção pelos laticínios, por não existirem testes rápidos. A adição de água é a fraude mais comum e antiga porque o produto é vendido por volume e, no caso detectado, existe a estimativa de ganhos de 10% na comercialização de 100 milhões de litros, possibilitando ganhos fáceis e substanciosos.
Relatos da investigação revelaram que a fórmula para a adulteração era vendida por R$ 10.000, indicando que pessoas com conhecimentos de química também participavam, possibilitando ganhos aos transportadores.
Se no País houvesse rigor na punição e configuração de ato criminoso em casos graves, poderia haver redução nas tentativas de ganho ilegal e fácil com produtos alimentícios, como o leite ou farmacêuticos como os antibióticos. Atenas e Roma, em tempos remotos, tinham leis muito severas sobre a adulteração de alimentos. Em 1872, a legislação inglesa impunha multas pesadas pela primeira fraude no leite e, no caso de reincidência, seis meses de prisão em regime de trabalho forçado.
Se houvesse certeza de que fraudadores seriam exemplarmente punidos por atos conscientes e premeditados para tirar proveito em benefício próprio, certamente os casos como o do leite não seriam comentados por tanto tempo, nem promoveriam tanta desconfiança nos consumidores. Além disso, os casos isolados, severamente punidos, serviriam de exemplo para poucos com coragem de enfrentar as consequências dos atos.
Dessa maneira, os agentes da cadeia produtiva que agem dentro da lei não seriam denegridos em episódios isolados em que párias da sociedade atuam, mesmo sabendo que cometem delitos graves que podem comprometer a saúde da população.
Vidal Pedroso de Faria é professor da Esalq-Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e membro do conselho editorial de Balde Branco
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