Artur Chinelato de Camargo
Muitas pessoas me perguntam ao que atribuo a boa aceitação do Programa Balde Cheio por parte dos produtores de leite e dos extensionistas, pedindo que o defina em poucas palavras. Primeiramente, sempre agradeço a deferência, mas procuro descer logo do pedestal da vaidade e retomar o caminho da humildade.
Não é fácil essa postura, porque quando se sente que de alguma forma se interferiu na vida das pessoas ajudando a melhorá-las, isso trás sentimentos contraditórios. Os positivos, como a felicidade e a paz do dever cumprido; os nocivos, como a soberba e a prepotência que em nada contribuem para o crescimento humano. Por esse motivo, procuro deixar que simplesmente passem como nuvens e não se alojem no coração de nenhum dos técnicos que participam do trabalho.
Voltando à questão inicial, creio que a resposta para definir em poucas palavras o Balde Cheio, bem como seus coordenadores, instrutores e extensionistas, todos idealistas por natureza e missionários por vocação, sendo arautos da esperança para muitas pessoas, seja seriedade e amor. Seriedade, por tratarem do assunto leite com responsabilidade; dedicação e atenção, sem serem paternalistas. Amor pelo que fazem, amor pela causa, pelos animais, pelas pessoas e pela vida. Os maiores beneficiados de toda essa carga de sentimentos são os produtores de leite.
Por sua vez, o reconhecimento dos produtores acontece das formas mais surpreendentes possíveis. São pequenos mimos como artesanatos locais, cortes de tecido, frutas variadas, hortigranjeiros de toda sorte, farinhas de espécies diversas, castanhas do Brasil e de caju, bebidas, café em pó, mel e, evidentemente, vários tipos de queijos e derivados do leite. Tudo muito simples, mas repleto de sentimentos, que podem ser expressos em apenas um: gratidão!
E foi esse sentimento que fez com que todos os presentes na visita ao Sítio São Francisco na comunidade de Elesbão, no distrito de Dores de Macabu, município de Campos dos Goytacazes-RJ, se emocionassem pela sinceridade embutida nas palavras contidas em uma carta lida por um dos quatro filhos do produtor Alciônio Barcelos (Nenco) e sua esposa Irani.
O reconhecimento dos
produtores é sempre muito
simples, mas repleto de
sentimentos, que podem
ser expressos em
apenas um: gratidão!
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Abaixo, transcrevo o texto de autoria de Greycielen da Silva Barcelos, filha do produtor.
“Assim como a irrigação no projeto chegou para sempre manter o capim verde, veio também a irrigação de ânimo, e de gota em gota, nos fazer mar, porque é do pequeno que se faz grande. E de gotas que somos hoje, já podemos prever o mar que nos espera. Mar de reconhecimento, mar de satisfação pessoal, de trabalho, de luta, porque não pensem que é tudo mar de rosas. Também mar de esperança de que é possível, sim, viver da terra. Somos gotas que viemos para fazer a diferença, mostrando que é do pequeno produtor que se faz o grande.
Fomos escolhidos de um lugar no meio do nada, onde se ouve que Judas nem tinha botas para perder, mas é daqui que estamos mostrando que é possível uma gota virar mar. Na verdade, já fomos mar, mas desmembrados em várias gotas. Aos poucos, sem atropelar as pernas, estamos juntando as gotas de esforço, de dedicação e união para chegar ao infinito mar.
Além da satisfação pessoal, que para nós é muito importante, veio a satisfação de fazer com que outras pessoas se satisfizessem também. E que através de nós e de nosso lugar tão banalizado venha o reconhecimento.
Nós, com toda modéstia, somos pedras preciosas. Por que penso assim? Pedras preciosas não ficam expostas aos olhos de qualquer pessoa, de qualquer um. Têm de ser escavadas, procuradas e achadas, e mesmo depois de achadas precisam ser lapidadas para ficarem lindas e brilhantes e ter maior valor. Só que no nosso caso o valor é inestimável.
Deus nos surpreende quando achamos que está tudo acabado e nos mostra que é apenas o começo. Deus não escolhe os capacitados, mas, sim, capacita os escolhidos. Nosso desafio é continuar andando com as próprias pernas, com o suor do nosso trabalho”.
O Sítio São Francisco possui uma área total de 5,5 ha e entrou no Balde Cheio no final de março de 2010, foi “achado”, e está sendo lapidado pelo técnico autônomo João Maciel D’Ângelo Neto, que conta com o apoio do coordenador do trabalho na região, o veterinário Maurício Cezar Gomes de Salles, da Faerj/Senar-RJ, que visita periodicamente a propriedade. Na época do descobrimento estavam produzindo 18 litros de leite/dia com seis vacas em lactação de um rebanho composto por 33 cabeças entre vacas, novilhas, garrotes, bezerras e bezerros.
A principal renda da família vinha da feira da qual participavam toda sexta-feira, onde ofereciam vários produtos da roça, para no final do mês auferir uns mil reais brutos. Era uma vida sacrificante, que não permitia à família vislumbrar qualquer futuro. Hoje, após um ano e meio de trabalho intenso e sério, a produção já alcançou 80 litros com a mesma quantidade de vacas em lactação e sem ter havido substituição das vacas. A renda aumentou e eles começam a descortinar um cenário promissor quando alcançarem os sonhados 500 litros diários. Não importa o tempo para atingir tal produção, o que importa é que eles chegarão lá. Eu acredito!
Artur Chinelato de Camargo é engenheiro agrônomo e pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos-SP; e-mail:artur@cppse.embrapa.br.
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