Vidal Pedroso de Faria
Esta proposição é ouvida com frequência entre os habitantes das cidades, que são proprietários de glebas rurais e tentam estabelecer uma atividade produtiva qualquer, que pelo menos pague as despesas operacionais.
Se a conversa se arrasta por um período mais longo, detalhes das experiências frustrantes invariavelmente passam pela infeliz tentativa de tirar leite, ocasião em que o prejuízo foi maior e levou à tentação de vender a fazenda, que de lugar agradável passou a ser fonte de preocupação e desassossego.
Não é raro se deparar com donos de fazenda que fizeram tentativas com frangos, porcos, cavalos de raça, hortaliças, criação de rãs e muitas outras atividades, e todas as experiências terminaram em decepções e angústias.
Quando nada dá certo e a propriedade não é posta à venda porque faz parte de um sonho, garante lazer para os filhos e pode dar certo status perante a sociedade, se parte, então, para a criação extensiva de gado de corte, o que exige pouca mão de obra e uma quantidade menor de insumos.
Mas a aparente tranquilidade é perturbada pelo resultado econômico duvidoso, o que leva à lembrança os conselhos de conhecidos mais velhos e experientes que afirmaram, a partir de experiência própria, que fazenda de gado não dá lucro.
A criação de bovinos parece ser simples, bastando para tanto a posse de animais rústicos, que não exijam muitos cuidados e áreas de pastagem, o que cria condições para o estabelecimento de atividades típicas de subsistência para agricultores que possuem terra e tentam nela sobreviver. Neste caso, o interesse não é o lucro, mas, sim, uma atividade de baixo custo, que permita gerar alguma renda para a manutenção da família.
O modelo é utilizado pelos pequenos agricultores familiares e também nos assentamentos de reforma agrária, onde muitos que recebem terra não têm origem rural e procuram atividades mais fáceis, simples e que não exijam muito trabalho. As vacas dão cria, o rebanho pode aumentar, e a grande vantagem é a liquidez dos bovinos, o que os transforma em poupança para venda em situações de dificuldades financeiras.
A proposta de criação extensiva de gado, com ordenha das matrizes que eventualmente dão cria, garante, além de alimento, um “leitinho” para venda, o que possibilita uma renda mensal muito bem-vinda. O trabalho se resume em ordenhar alguns animais, cuidar dos ferimentos eventuais, das vacinações, e combater ectoparasitos, como berne e, se for o caso, carrapatos.
A limpeza manual dos pastos é um trabalho eventual árduo, principalmente em regiões montanhosas e, muitas vezes, sobra tempo e disposição para trabalhar como boia-fria em fazendas da região, o que aumenta a renda familiar e garante subsistência.
Tanto no caso do proprietário de terra, que tem atividade remunerada na cidade e a fazenda não é fonte de subsistência, como no do chamado agricultor familiar, a criação extensiva de bovinos é atrativa, mas não possibilita ganhos expressivos e qualquer tentativa de melhoria pode levar a prejuízos operacionais se a proposta não for tecnicamente viável.
Este fato normalmente ocorre quando existe tentativa de sofisticação com introdução de alguma atividade considerada moderna e evoluída, apresentada pela mídia como capaz de operar verdadeiro milagre na fazenda.
Por outro lado, a facilidade de se obter sugestões de amigos ou vizinhos na tentativa de solução rápida e barata para os problemas e a esperança de dias melhores são forças que dificultam ou impedem compreender as razões dos problemas existentes. Tocar uma fazenda na base da tentativa e erro não traz bons resultados, porque a incapacidade de geração de renda por desconhecimento dos fundamentos que devem nortear a atividade invariavelmente permanece depois das ações aleatórias.
Criação de bovinos com objetivos econômicos é atividade complexa porque envolve conhecimentos de reprodução, nutrição, sanidade e também bem-estar animal, além de exigir práticas de gerenciamento que permitam avaliar economicamente a atividade.
Exige também conhecimentos agronômicos para formar e explorar pastos perenes e nutritivos capazes de sustentar grande número de animais por unidade de área ou para a produção de volumosos de boa qualidade para sistemas de confinamento. Por tudo isso, não é possível obter bons resultados com amadorismo, adotando conceitos extrativistas, sem manipular com eficiência os fatores produtivos do sistema.
A maior complexidade da produção de leite pode ser atribuída ao fato de exigir, além de conhecimento técnico científico, dedicação e administração eficientes, fatos que explicam porque a atividade nem sempre é considerada como bom negócio quando tocada com amadorismo. A criação de bovinos precisa ser encarada como negócio, e nenhuma empresa pode prosperar na base do ‘eu acho, vou tentar e agir para ver o que acontece’, torcendo para que a criação de gado possa trazer satisfação e bons resultados econômicos.
Vidal Pedroso de Faria é professor da Esalq-Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e membro do conselho editorial de Balde Branco.
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