quarta-feira, 15 de maio de 2013

Girassol: silagem com vantagem

Produtores são incentivados a adotar ogirassol como complemento na dieta do gado leiteiro. Vantagens são confirmadas na produtividade do rebanho e nos ganhos agronômicos e financeiros

Romualdo Venâncio

 
O pesquisador da Embrapa Clima Temperado, de Pelotas-RS, Jorge Schafhauser Jr., costuma justificar a utilização de silagem de girassol na alimentação de bovinos leiteiros com uma conta mais ou menos simples.

“Se você precisa de 200 t de silagem/ano, pode garantir o abastecimento plantando milho em 5 ha, com produção de 40 t/ha. No entanto, há como aumentar o volume de silagem utilizando uma área menor. Se plantar 3 ha de girassol, com produção de 30 t/ha, já estarão garantidas 90 t de silagem. Após a colheita do girassol, pode entrar com milho na mesma área e conseguir mais 120 t. No final, além das 10 t a mais de silagem, ainda terá 2 ha livres, que podem ser destinados à pastagem, por exemplo”.
Mas os cálculos de Schafhauser vão além da teoria e têm beneficiado, principalmente, pecuaristas que trabalham com pequenas áreas e dependem da máxima otimização do espaço da propriedade. Nesse sentido, há três anos iniciou um trabalho de difusão do girassol para produção de silagem entre os produtores de leite da região centro-sul do Rio Grande do Sul. No início, como já era de se esperar, houve certa resistência, mas só durou até os primeiros resultados começarem a aparecer. A cultura acabou ganhando a confiança dos pecuaristas.
O trabalho começou com quatro unidades demonstrativas, propriedades nas quais o cultivo do girassol foi adotado em definitivo. Segundo ele, contribuiu para a disseminação do girassol o fato de não haver concorrência com o milho ou o sorgo como volumoso. Pelo contrário, é uma cultura complementar. Até o período de plantio é diferente. De maneira geral, o girassol é semeado no mês de julho ou agosto, para ser colhido em outubro ou novembro, quando são plantadas as demais culturas.

 
“Na verdade, o girassol ocupa uma janela subutilizada e permite fazer duas safras para produção de silagem”, esclarece o pesquisador. Esta possibilidade também beneficia o pecuarista em sua gestão financeira. Os custos são diluídos em um período maior e, consequentemente, o impacto sobre a planilha é reduzido. O mesmo acontece em relação ao maquinário para colheita, pois será mais bem aproveitado em períodos diferentes. “No caso de uso compartilhado de colheitadeiras, por exemplo, há uma melhor distribuição da locação dos equipamentos, o que reduz possíveis esperas”, comenta o pesquisador da Embrapa.

Ao mesmo tempo, ao inserir uma nova cultura o produtor promove melhorias no terreno destinado à lavoura. “Uma das premissas da agronomia é que exista rotação de culturas”, alerta a também pesquisadora da Embrapa Clima Temperado, Ana Cláudia Barneche de Oliveira, que há cerca de oito anos trabalha com desenvolvimento de girassol. “Com tipos diferentes de plantas, uma cultura acaba fortalecendo a outra”, acrescenta.

Resistente à falta de chuvas - Schafhauser reforça a opinião de Ana Cláudia: “Com o girassol, o produtor tem a oportunidade de interromper o manejo de gramínea sobre gramínea, o que costuma exigir mais dedicação aos cuidados com o solo”. Quando as mesmas espécies são mantidas por muito tempo, crescem os riscos de susceptibilidade a doenças.

 
“A rotação de culturas também exerce uma proteção sanitária”. O pesquisador diz ainda que por apresentar sistema radicular mais profundo, o girassol é mais eficiente na captação de água, o que favorece sua resistência a períodos com redução de chuvas.

Por sua composição nutricional com níveis mais elevados de energia e proteína, em comparação com o milho, o girassol para silagem pode proporcionar redução de 0,5 a 1 kg de ingredientes proteicos na ração. “Se levarmos em conta que o concentrado representa até 40% do custo de produção do litro de leite, esta é uma economia considerável”, anota Schafhauser.

 
Para aproveitar os benefícios do girassol não se pode descuidar das plantas. O manejo é mais ou menos similar ao das outras culturas utilizadas na produção de silagem, mas é preciso atenção com alguns detalhes, como é o caso da adubação. Ana Cláudia chama a atenção para fatores como pH baixo, acidez de solo, correção de alumínio e, principalmente, a escassez de boro. A pesquisadora orienta que se faça análise do solo para identificar com precisão o que deve ser corrigido e em que escalas.

Quanto a pragas, os perigos não são numerosos, mas podem causar grandes estragos se não forem tomadas as devidas providências. O principal inimigo é a lagarta-preta-do-girassol. Embora o combate não chegue a exigir grandes aplicações de defensivos, é imprescindível a avaliação da presença do inseto para que seja definida a melhor estratégia de combate.

Qualidade e o ponto de colheita - Em relação às doenças, Ana Claudia destaca duas das mais significativas. A esclereotina é a mais comum em regiões de temperaturas inferiores a 20oC e umidade elevada. “A doença ataca a fase de florescimento da planta e, dependendo do grau de infestação, pode causar perda de até 100% da lavoura”, esclarece a pesquisadora. A outra é a alternária, favorecida pela combinação de alta umidade e temperaturas elevadas.
A colheita é uma etapa decisiva para o melhor aproveitamento da lavoura do girassol. Sobretudo, porque há erros bastante comuns a esta fase do manejo. Um deles é a definição do momento de colher. Embora a escolha da variedade a ser plantada já permita uma previsão de quando será feito o corte, é pelo visual que o produtor saberá a hora exata.
“O ponto certo de corte é quando a planta toda está seca, com a parte de trás da flor já marrom. Antes disso, ainda pode haver muita umidade, o que prejudicará a armazenagem”, orienta Schafhauser. Tão importante quanto saber quando colher é ter o conhecimento técnico de como colher. “A colheita do girassol deve ser feita cortando a planta. Se for puxada, pode ocorrer o debulhamento da flor, onde estão mais de duas mil sementes”, completa Ana Claudia.
As sementes são parte fundamental da silagem. O maquinário para colheita do girassol pode ser o mesmo usado nas lavouras de milho, mas com alguns ajustes específicos. Quanto mais se acerta na colheita, melhores tendem a ser os resultados na ensilagem. O girassol não pode, por exemplo, ser cortado muito fino, ou acaba acarretando a quebra das sementes e a exposição do óleo, o que prejudica a armazenagem e a palatabilidade da silagem.

 
Completando, o pesquisador cita que a umidade é outro item a ser controlado, pois em níveis excessivos provocará má fermentação e perda do valor nutricional. “Vaca de leite precisa comer bem todos os dias, por isso é essencial conservar bem o alimento”, diz.


Experimentou e se deu bem - O Sítio das Araucárias, localizado em Arroio dos Padres-RS, é uma das propriedades que se tornaram unidade demonstrativa da Embrapa Clima Temperado para os testes com a silagem de girassol. Arnildo Friss, o proprietário, diz ter aceitado a sugestão dos pesquisadores ainda com certo receio, pois tinha dúvidas sobre os resultados. Hoje, a conversa é outra.
“Pretendo plantar mais. Até porque é possível trabalhar com milho na área do girassol, e vice-versa”, ele comenta. Do rebanho de 38 vacas, entre animais das raças Holandesa e Jersey, Friss tem 26 em lactação, com produção total de 370 litros/dia. A média pouco acima de 14 litros/vaca/dia se deve ao fato de várias fêmeas estarem em final de lactação. “No pico, principalmente quando entra a pastagem de inverno, o volume diário é de 600 litros com o mesmo número de vacas”.

 
Foi exatamente na retirada de leite que o pecuarista confirmou um dos benefícios da silagem de girassol. Há vacas em início de lactação que chegaram a atingir incremento de até 10% no volume de leite, segundo ele. Em 1 ha dedicado ao plantio de girassol, o criador consegue de 18 a 20 t de silagem. A área total da propriedade é de 51 ha, com 5 a 6 ha dedicados ao plantio de milho também para produção de silagem, cujo rendimento está entre 30 a 35 t por ha.

O rebanho também é alimentado com ração e pastagem. No inverno, o criador trabalha com 8 ha de aveia e azevém e, no verão, utiliza campo nativo em uma área um pouco menor. Friss pretende aumentar a produtividade da lavoura de girassol reduzindo os problemas com formigas e pássaros. “Eles atacam as plantas no início do desenvolvimento e deixam falhas nas fileiras. Com um manejo mais severo em relação a essas pragas, quer chegar a 30 t por ha. O plantio é feito com intervalo de 38 a 40 cm entre as plantas e de 70 a 80 cm entre as fileiras”.

Novas perspectivas da cultura - De acordo com levantamento de safra da Conab-Companhia Nacional de Abastecimento para 2012/13, a área plantada com girassol deve ser a mesma que na temporada anterior. Já a produção deve ser de 93,6 mil t, volume 19,6% menor do que o registrado na safra 2011/12. Apesar deste cenário, as perspectivas em relação ao girassol são positivas, pois há diversos mercados a serem explorados. Como é o caso da silagem, ainda pouco utilizada.
Em Mato Grosso, disparado o maior produtor de girassol, com previsão de 56,5 mil t para 2012/13, o uso da planta na alimentação de bovinos só aparece na forma de torta. E apenas pelo fato de o insumo estar disponível em abundância. O parque industrial de biodiesel instalado no Estado consome o girassol e, após o esmagamento da planta, gera a torta. Já quanto à silagem, pouco se fala a respeito.
Entretanto, o assessor técnico da Aproleite-Associação dos Produtores de Leite de Mato Grosso, Carlos Augusto Zanata, considera esta uma possibilidade de aproveitar os benefícios da silagem de girassol para otimizar a produtividade do rebanho leiteiro local. E até contribuir para atingir algumas metas do setor. “Em nossas reuniões, temos discutido meios de dobrar a produção de leite no Estado, e a principal resposta a que chegamos é melhorar a alimentação. O girassol entraria neste ponto, permitindo que melhorássemos a alimentação dos rebanhos sem a necessidade de grandes investimentos”, analisa.
Ana Claudia vai além nas possibilidades de aproveitamento da planta: “Pode-se aproveitar tudo do girassol”. Mais do que o uso dos grãos pela indústria de biodiesel e da planta toda para a silagem, as flores podem abastecer dois outros segmentos, o de criação de abelhas para produção de mel e o mercado de flores para decoração. E ainda há a alimentação humana, com a produção de óleos e gorduras, que ainda dão origem a outros itens, como a margarina. “A cultura tem potencial para crescer ainda mais, só depende de haver demanda mercadológica”, afirma a pesquisadora.
 
Influência no leite

A alimentação humana também pode ficar mais saudável com a utilização no girassol na dieta do gado leiteiro. Experimento que está sendo realizado pela Embrapa Clima Temperado (Pelotas-RS) adiciona o óleo de girassol à alimentação das vacas de leite com o intuito de agregar ácidos graxos e transferir parte para a gordura do leite. “Podemos duplicar a concentração de ácidos graxos monoinsaturados e até triplicar a de ácido linoleico conjugado”, prevê o pesquisador Jorge Schafhauser Jr.
“Há mais de 15 anos está comprovado que o CLA (ácido linoleico conjugado) é redutor do colesterol ruim e previne contra diabetes e estereoclerose”, completa. Este trabalho promove a melhoria do alimento humano de forma natural, apenas com uma alteração na outra ponta da cadeia. Resultados mais sólidos sobre o estudo devem estar prontos até a metade deste ano.

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