Olá Amigo(a) Pecuarista,
Vacas em lactação por hectare
Artur Chinelato
“Quantas vacas estão comendo esse piquete de mombaça?”, perguntou o visitante. “Doze”, falou o produtor. “Qual é o tamanho de cada piquete?”, quis, então, saber. “Trezentos e cinquenta metros quadrados”, respondeu “seu” Zé. “Em quantos piquetes você dividiu a área?”, questionou João. “Vinte e oito”, disse o visitado. Fazendo as contas, João concluiu que a lotação daquela pastagem era de 12 vacas por hectare. Em unidades/animal (UA) seria um pouco maior, pois as vacas de “seu” Zé pesavam em média 500 kg, enquanto 1 UA significa animal com peso vivo de 450 kg.
João elogiou o trabalho desenvolvido na propriedade. “Seu” Zé apreciou o elogio, agradeceu, mas disse que havia muito ainda por fazer, porque o número de vacas em lactação por hectare estava muito baixo, bem aquém do desejado. João achou estranho o comentário de “seu” Zé e perguntou se ele queria colocar mais vacas naquele piquete? Seu Zé explicou que uma coisa é a lotação de uma pastagem trabalhada e outra é a quantidade de vacas em lactação por hectare. João fez cara de interrogação.
“Seu” Zé completou a informação dizendo que a quantidade atual de vacas em lactação por hectare na propriedade era de 0,8. João não compreendeu e questionou: “Como pode um pasto ter uma lotação de 12 vacas por hectare e o Sr. me falar que tem apenas 0,8 vaca em lactação por hectare? O Sr. deve estar brincando!”, falou João, com certo tom de irritação na voz.
“Seu” Zé, com a maior paciência do mundo, esfregou os olhos com as palmas das mãos e começou a explicar que a lotação de um sistema rotacionado de pastagem é parte de uma complexa engrenagem que irá definir quantas vacas em lactação por hectare existem na propriedade. Afirmou ainda ser este um índice essencial para se avaliar o desempenho técnico de uma propriedade leiteira e definir o potencial produtivo da mesma. Disse ainda que a quantidade de vacas em lactação por hectare depende tanto da eficiência agrícola como da eficiência zootécnica.
A eficiência agrícola é função da produtividade alcançada por todas as forrageiras cultivadas e utilizadas como alimentos volumosos no sítio como, por exemplo, as pastagens intensificadas (onde estava inclusa a lotação da pastagem rotacionada de 1,0 ha de capim-mombaça), as áreas ocupadas por pastagens extensivas, culturas para ensilagem, forrageiras para fenação, cana-de-açúcar, palma forrageira, dentre outras. Acrescente ainda todas as áreas disponíveis à atividade leiteira, mas que ainda não foram estabelecidas com alguma cultura forrageira e, por fim, some as áreas destinadas a benfeitorias, corredores e estradas internas. O somatório de todas essas glebas nos permitirá obter a base para se definir a capacidade de suporte da propriedade.
Na outra face da moeda está a eficiência zootécnica, que pode ser subdividida em dois itens: composição do rebanho e porcentagem de vacas em lactação. A composição do rebanho se refere à distribuição dos animais nas diferentes categorias, ou seja, quantas vacas em lactação, vacas secas, novilhas (fêmeas com mais de 12 meses de idade e que ainda não pariram), bezerras (fêmeas com até 12 meses de idade), bezerros, garrotes, bois e touros existem na propriedade.
A porcentagem de vacas em lactação é razão da reprodução e da persistência de lactação. Estima-se que a reprodução dependa de 80 a 85% da correta nutrição, do bem-estar e da saúde dos animais, sendo o restante (15 a 20%) atribuído às características individuais de cada animal. A persistência de lactação é praticamente 100% dependente da carga genética do animal, independentemente da raça.
Há uma maior tendência de vacas oriundas de raças europeias apresentarem maior persistência de lactação, devido ao processo de seleção iniciado há bem mais tempo do que em vacas de raças de origem zebuína. Isso, no entanto, não significa que todas as vacas de um rebanho composto por raças europeias terão elevada persistência de lactação (acima de 90%), sendo o contrário também verdadeiro, ou seja, nem todas as vacas originárias de raças zebuínas apresentam persistência de lactação baixa (abaixo de 80%). Será preciso analisar animal por animal, deixando de lado possíveis paixões por esta ou aquela raça.
“Seu” Zé, continuando a explicação, disse que no caso da propriedade dele a área ocupada pela atividade leiteira era de 25 ha e que tinha em média 20 vacas em lactação diariamente no rebanho. A divisão do número de vacas em lactação pela área ocupada, que inclui o hectare de capim-mombaça intensificado onde apenas 12 das 20 vacas em lactação tinham o privilégio de pastejar um manjar dos deuses, era de 0,8 vacas em lactação por hectare.
Concluindo, ele disse ao visitante que esse índice multiplicado pela produção média das vacas em lactação resultava na produção de leite por hectare por dia. Multiplicando o resultado por 365 dias, se obtém a produção de leite por hectare por ano, ou seja, a produtividade da atividade leiteira. “No meu caso, como a média de minhas vacas em lactação é de 12 litros de leite diários, minha produtividade diária é de 9,6 litros por ha (0,8 vacas em lactação por hectare, multiplicado por 12 litros de produção média das vacas em lactação)”.
Multiplicando o resultado por 365 dias, se chega à produtividade da atividade leiteira no sítio, que é de 3.500 litros de leite por hectare por ano, muito abaixo do objetivo, que é atingir 30.000 litros de leite/ha/ano. Para chegar lá, “espero trabalhar com uma quantidade de 5 vacas em lactação por hectare e uma média de produção de 16 litros de leite por vaca em lactação”, disse o esperançoso Sr. José.
Nos países de pecuária leiteira desenvolvida, raramente os produtores ultrapassam duas vacas em lactação por hectare devido ao tipo de forrageira utilizada, que não permite lotações acima de 3 UA/ha. Com isso, a produtividade nessas regiões, mesmo considerando uma média elevada de 25 litros de leite por vaca em lactação, seria de 18.000 litros de leite/ha/ano.
João questionou: “Por que ,então, o Sr. não aumenta essa quantidade de vacas em lactação por hectare melhorando a porcentagem de vacas em lactação no rebanho, com a diminuição da recria, aperfeiçoa a reprodução, promove um descarte para elevar a persistência de lactação, aumenta a área de pastagem intensificada para poder adquirir mais vacas, ou reduz a área ocupada pela atividade, caso decida não comprar mais vacas?
“Seu” Zé disse que era tudo isso que ele estava fazendo, mas que esse não é um trabalho que se faz de uma hora para outra. É preciso estudar cada etapa, analisar as estratégias, planejar as ações, ter a assessoria de um técnico que conheça o assunto e executar o trabalho com a máxima perfeição.
Finalizou a conversa, perguntando ao visitante se ele sabia por que Deus tinha criado o mundo em sete dias? João respondeu negativamente. “Seu” Zé, coçando novamente os olhos, respondeu: “É porque não havia ninguém perguntando quando iria ficar pronto”.
Artur Chinelato de Camargo é pesquisador da Embrapa Pecuária Sudeste, de São Carlos-SP; e-mail: artur.camargo@embrapa.br.
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